terça-feira, 26 de abril de 2011

Verônica

Olhar o céu, à noite, era algo que costumava me acalmar — mas não aquela noite. Eu olhava pela janela, mas meu coração continuava inquieto. Parada em meu quarto, as luzes apagadas, eu nunca senti tanto medo. Desejei ter alguém que pudesse segurar minha mão e que sussurrasse, bem pertinho de meu ouvido, que tudo ficaria bem. E foi desejar, que senti um toque delicado, uma mão que veio escorregando para dentro da minha, e um ofegar suave próximo ao meu rosto. 

segunda-feira, 25 de abril de 2011

O que a gente vê no jornal.

Todos os Silva já estavam na sala quando começava a passar o jornal na televisão. O pai coçava preguiçosamente a barrigona, resmungando que a janta estava demorando; e a mãe fazia qualquer coisa, sempre com um olho nas duas crianças que corriam em torno do sofá onde ela e o marido se sentavam. Ninguém ligava muito para o que o jornal estava noticiando, mas, vez ou outra, o pai ou a mãe fazia algum comentário breve sobre algum acontecido. Foi numa dessas que todos se calaram de uma vez só para escutar quando um dos jornalistas disse que um pai havia assassinado a própria filha.

O pai e a mãe se entreolharam, graves, as crianças pararam de correr e até a empregada, que estava na cozinha, veio à sala para poder ver a notícia. O pai apontou o controle para a televisão, aumentou o volume. Todos os Silva e a empregada quietos, atentos. Quando a notícia acabou, havia um clima de enorme comoção entre todos eles. Ninguém ousava dizer uma palavra e todos pareciam muito respeitosos — até as crianças.

— Então, Cida — perguntou o pai de repente, olhando para a empregada — o que vai ter para a janta?

E os Silva continuaram com o que estavam fazendo antes, enquanto esperavam que a empregada terminasse de lhes preparar a comida.

Tarde Demais - Parte Dois

No dia seguinte, às seis e meia, eu estava sentada outra vez no mesmo lugar do dia anterior, o café esperando para esfriar novamente. Desta vez ela não sacudiu nenhuma sombrinha lilás, não reclamou de nenhuma barra de calça molhada e nem falou com ninguém antes de vir se sentar a alguns bancos distante de mim. Eu a olhava. Ainda havia tristeza em seus olhos. Mas nenhum sorriso tímido nem cansado em seus lábios. Às sete e dez, ela levantou-se e se foi.

Passei então a aparecer todos os dias naquela lanchonete, sempre intrigada e sempre covarde demais para dizer sequer uma saudação qualquer que fosse. Simplesmente me sentava e esperava que ela entrasse com seus olhos carregados de tristeza e, vez ou outra, um sorriso tímido e cansado balançando nos lábios. Eu me sentava e esperava.  Ouvia partes das conversas breves que ela tinha com as garçonetes, que era quando eu descobria mais sobre ela.

domingo, 24 de abril de 2011

Pobre do Traste!

    Juliana precisou de, sei lá, uns doze anos. Antes daquele dia horroroso ela achava, ela confiava mesmo que seu casamento era perfeito e que seu marido — Daniel, aquele traste! — era um homem santo. Ela dizia, ai que clichê, que colocava a mão no fogo pelo Daniel. ‘Tantos anos assim com ele’, ela dizia, ‘coloco sim a mão no fogo’. Pois bem. Todo mundo sabe que fogo queima, e com Juliana não haveria de ser diferente.

sábado, 23 de abril de 2011

Tarde Demais - Parte Um

Ergui os olhos para o relógio. Seis e vinte e cinco e meu coração acelerou no peito. Faltava tão pouco. Bebi mais um pouco do café que me havia sido servido há pouco, e a garçonete sorriu, parando à minha frente novamente.

— Gostaria de comer alguma coisa agora, querida?

— Não, obrigada. — olhei novamente o relógio enquanto falava. Nem um minuto ainda havia se passado. Como sempre, eu começava a ficar impaciente, embora a ansiedade fosse bem mais forte. Naquele dia eu estava decidida, e só precisava que os ponteiros do relógio marcassem seis e meia para que eu pudesse levar a cabo a minha resolução. Infortunadamente, o Tempo parece zombar de nós nessas horas em que precisamos desesperadamente que ele ande mais depressa, e anda sempre mais devagar.

A Louca da Jojo

— WAKE UP! GRAB A BRUSH AND PUT A LITTLE MAKEUP — ela rodou no mesmo lugar, divertindo-se descomunalmente em ver as coisas entrando e saindo de seu campo de visão...entrando e saindo...Agora vê. Agora não vê. Rodou mais depressa.