terça-feira, 26 de abril de 2011

Verônica

Olhar o céu, à noite, era algo que costumava me acalmar — mas não aquela noite. Eu olhava pela janela, mas meu coração continuava inquieto. Parada em meu quarto, as luzes apagadas, eu nunca senti tanto medo. Desejei ter alguém que pudesse segurar minha mão e que sussurrasse, bem pertinho de meu ouvido, que tudo ficaria bem. E foi desejar, que senti um toque delicado, uma mão que veio escorregando para dentro da minha, e um ofegar suave próximo ao meu rosto. 

                — Vai ficar tudo bem, Lari, não se preocupe. — Veronica tinha a voz doce, extremamente tranqüilizadora. Deixei de encarar as estrelas e me virei para tentar enxergar o rosto dela mesmo com a escuridão do quarto. Acho que ela estava sorrindo. Toquei em sua face com a outra mão, vagarosamente, acariciando a pele macia. — Vai ficar tudo bem. — ela repetiu, embora não com a mesma convicção da primeira vez. Acho que ela teve a mesma sensação que eu quando a toquei: que aquela seria a última vez que ficaríamos daquele jeito como estávamos. 

                — Vamos descer, então? — perguntei. Minha voz tremia. A silhueta de Veronica deslizou para mais perto de mim, e seus lábios tocaram os meus para um beijo cujo sabor eu gostaria de ser capaz de guardar para a eternidade. Ela se afastou novamente, sua mão ainda segurando a minha, e, devagar, ela foi me levando para fora do quarto. 

                No primeiro andar, tive um choque logo que entramos na sala. Não somente meus pais estavam ali, mas os de Veronica também. A conversa que havia antes cessou assim que entramos. Vi os olhos de minha mãe pousarem imediatamente em minha mão e a de Veronica entrelaçadas, e puxei logo a minha, amedrontada e embaraçada. O silêncio continuou, e eu respirei fundo. Aquilo era algo que eu precisava fazer. Dei um passinho muito pequeno, completamente tímido à frente. 

                — Tenho uma coisa para contar.

                Parecia que agora todos prendiam a respiração. Olhei para trás. Os olhos de Veronica brilhavam. Os olhos mais negros e profundos que já vi. Ela sorriu, e aquilo me deu coragem para voltar a encarar meus pais. 

                — Veronica e eu não somos somente amigas. 

                Alguém soltou um grito estridente, e percebi Jenifer, minha irmã mais velha, ali pela primeira vez. Não conseguindo se conter, ela começou a guinchar e a gargalhar. Minha mãe parecia uma figura congelada, segurando o braço de meu pai e me encarando duramente. Os pais de Veronica pareciam estupefatos demais para dizer qualquer coisa. Quando alguém se lembrou de mexer, foi meu pai que se levantou e veio até mim. Ele estava furioso, vi isso em seus olhos. Veronica avançou rapidamente para ficar à minha frente, e meu pai estacou tão bruscamente que parecia que havia dado com uma muralha invisível. 

                — Não vou deixar você colocar as mãos nela!

                — Veronica... — sussurrei baixinho, chorosa. Ela não me olhou. Meu pai e ela se encaravam ferozmente, um tentando intimidar o outro. Desde a primeira vez em que bateram  os olhos um no outro, os dois nunca haviam se gostado. 

                — É melhor sair da minha frente. — ele ameaçou. Empurrou Veronica para o lado e, muito rapidamente, agarrou o meu braço e tentou me arrastar junto com ele para fora dali. Veronica saltou em cima dele, tentando fazê-lo me soltar, e isso foi o suficiente para que as outras pessoas naquela sala saíssem de seu transe. 

                O pai de Veronica, apesar de ainda parecer atordoado, pegou a filha com firmeza e puxou-a energicamente para longe do meu. Eu gritava e chorava. Meu pai gritava e me sacudia. Veronica ameaçava tudo e todos, minha irmã ria e minha mãe tentava encontrar uma maneira de culpar alguém por aquela frase. “Veronica e eu não somos apenas amigas.”  A mãe dela sussurrou alguma coisa no ouvido do marido, e segundos depois os dois deixaram a sala, carregando Veronica junto com eles. 

                — Você nunca mais irá vê-la. — disse minha mãe, orgulhosa de si mesma. 

Soltei-me de meu pai e corri para o meu quarto. Tranquei-me dentro dele sob juras de jamais sair de lá outra vez. E pelas próximas semanas, caí em depressão profunda, chorei sem parar. Berrei que jamais iria esquecer Veronica, que iria procurá-la assim que tivesse a primeira chance, e que nós duas seríamos muito felizes. 

Mas eu nunca mais a vi. 

E a imagem de seu rosto foi se apagando aos poucos, sem até que eu me desse conta, sendo substituída pela imagem dos rostos das outras Veronicas que vieram após aquela.

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