segunda-feira, 25 de abril de 2011

Tarde Demais - Parte Dois

No dia seguinte, às seis e meia, eu estava sentada outra vez no mesmo lugar do dia anterior, o café esperando para esfriar novamente. Desta vez ela não sacudiu nenhuma sombrinha lilás, não reclamou de nenhuma barra de calça molhada e nem falou com ninguém antes de vir se sentar a alguns bancos distante de mim. Eu a olhava. Ainda havia tristeza em seus olhos. Mas nenhum sorriso tímido nem cansado em seus lábios. Às sete e dez, ela levantou-se e se foi.

Passei então a aparecer todos os dias naquela lanchonete, sempre intrigada e sempre covarde demais para dizer sequer uma saudação qualquer que fosse. Simplesmente me sentava e esperava que ela entrasse com seus olhos carregados de tristeza e, vez ou outra, um sorriso tímido e cansado balançando nos lábios. Eu me sentava e esperava.  Ouvia partes das conversas breves que ela tinha com as garçonetes, que era quando eu descobria mais sobre ela.

Seu nome era Penélope. E eu repetia cada sílaba vagarosamente, provando-as. Ela trabalhava até as seis, aquela lanchonete ficava no caminho para a casa dela, ela adorava o chocolate quente dali e os muffins. Também gostava de panquecas com mel, mas só pedia isto nas sextas-feiras. Tinha um cachorro chamado Bobbie, que adorava fazer bagunça e comer seus sapatos, como todo bom cãozinho de estimação. Ela tinha um chefe que era duro demais com os empregados e uma irmã que só aparecia quando precisava de dinheiro.

Três meses atrás. E finalmente eu havia decidido dizer a ela como eu me sentia todas as vezes que a via passar por aquela porta. Esperei que ela se sentasse. Levantei-me, fui em sua direção e parei. Ela ergueu os olhos para mim. Eu não disse nada. Ela não disse nada. Sorriu hesitante. A mesma tristeza de três meses atrás ainda obscurecia seus olhos cor de amêndoa, agora inquisitivos. Havia expectativa pesando o ar. Me dei conta de que estava parada em frente a ela sem dizer palavra, apenas encarando-a.

— Desculpe... — Sussurrei e me virei depressa. Joguei uma nota qualquer sobre o balcão e fui 
embora.

Ela não apareceu na noite seguinte. E nem na outra após aquela. E nem na semana inteira que se seguiu. Choveu bastante e eu esperando que ela entrasse, sacudindo a sombrinha lilás e reclamando da barra molhada de sua calça, como na primeira vez em que a vi.

Na semana seguinte, continuei voltando à lanchonete. Ela ainda não aparecia, mas, certo dia, logo ao chegar, havia uma carta esperando por mim. A garçonete entregou-a junto com um meio sorriso tristonho. Virei o envelope, mas não havia nenhum nome escrito, nada que indicasse quem o havia deixado para mim. Sentei-me no mesmo lugar de sempre e, após pedir o café e sorver o primeiro gole, abri o envelope e puxei um quadrado de papel. Desdobrei-o cerimoniosamente; era uma carta.

“É uma pena que só agora eu tenha tido ousadia suficiente para lhe dizer o que devia ter dito há meses atrás.
Três meses atrás, para ser mais específica.
Foi o mesmo dia em que descobri que, doente, não me restava nem mesmo um ano a mais de vida. Naquele dia, saí do consultório do médico exausta de chorar e triste porque não iria conseguir realizar tantos de meus sonhos.
Entrei na mesma lanchonete onde costumava comer quase sempre, e você foi a primeira pessoa a quem sorri depois de receber aquela notícia que quase me nocauteara. Nunca acreditei nessas tolices cinematográficas e românticas de amor à primeira vista, mas esta é a única maneira de explicar o que senti por você no instante em que nossos olhares se cruzaram naquele dia.
Passei a voltar então todos os dias, na esperança de que você estivesse ali novamente. E você estava. Todas as vezes. Eu a olhava e tinha certeza de que aquela coisa de “almas gêmeas” ou “almas que se reconhecem de outras vidas” não era simples baboseira usada para vender livros ou tickets de cinema. Mesmo sem uma palavra que fosse, era como se eu já a conhecesse há uma vida inteira, ou outras vidas antes dessa.
Nunca fui capaz de falar com você. Parecia que você estava sempre a evitar meus olhares, e isso me desencorajava. Apenas olhar tornou-se suficiente, então. Além do mais, meu tempo estava mesmo acabando.
Agora, eu já não existo mais. Não no mesmo mundo que o seu. Mas agradeço-lhe, mesmo que você jamais tenha tomado conhecimento de meus sentimentos, por ter permitido que meu coração fosse feliz em seus últimos meses de vida.”
Penélope.

Reli o nome. Foi a única coisa que consegui fazer antes que lágrimas, lágrimas pesadas, descessem por minha face. Apertei as beiradas do papel, porque eu precisava me segurar em alguma coisa.

Agora era tarde demais. E continuaria a ser tarde demais para sempre.

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