domingo, 24 de abril de 2011

Pobre do Traste!

    Juliana precisou de, sei lá, uns doze anos. Antes daquele dia horroroso ela achava, ela confiava mesmo que seu casamento era perfeito e que seu marido — Daniel, aquele traste! — era um homem santo. Ela dizia, ai que clichê, que colocava a mão no fogo pelo Daniel. ‘Tantos anos assim com ele’, ela dizia, ‘coloco sim a mão no fogo’. Pois bem. Todo mundo sabe que fogo queima, e com Juliana não haveria de ser diferente.
    Outro dia ela chegou em casa, cansada após horas de um trabalho que ela odiava, e pegou o Daniel na cama com a vizinha, que era também sua melhor amiga. Na verdade não foi bem assim, ela não encontrou os dois na cama. Quando Juliana entrou no quarto, viu Daniel deitado na cama, lendo uma revista. Ele levantou os olhos para olhá-la e ficou caladão, enquanto ela o cumprimentava e começava a contar sobre seu dia. Perplexo que estava, Daniel continuou deitado, imóvel, sem saber o que dizer ou fazer. 
    Então a porta do banheiro se abriu e saiu a vizinha que também era melhor amiga. Enrolada em uma toalha, o sorriso mais contente do mundo que ela carregava congelou na cara quando ela deu com Juliana ali parada tagarelando para o Daniel, que àquela altura, tendo caído a ficha da confusão em que havia se metido, já estava de pé, todo afetado e nervoso. 
    “Acho melhor você ir” ele balbuciava para a vizinha, aturdido, tentando vestir a roupa. Juliana ali parada, olhando de um para outro, esperando sabe-se lá o quê. A vizinha que também era melhor amiga temia que Juliana fizesse alguma coisa, e continuou parada, porque para ir embora ela tinha que passar ao lado dela. Olhou para Daniel, desesperada, pedindo ajuda com os olhos. “Acho melhor você ir” repetiu o traste, quero dizer, o Daniel, empurrando a vizinha para o outro lado, para que ela saísse do caminho e ele pudesse pegar a calça jeans em que ela pisava. 
    A vizinha foi saindo assim de ladinho, e perto da porta ela apressou o passo e desapareceu. Juliana ainda ali parada, olhando o Daniel todo afobado. Ele não conseguia encontrar a camisa. Depois que desistiu, porque provavelmente ela havia ido parar em um lugar improvável durante as preliminares do sexo com a vizinha, ele deu uma mexida no cabelo, suspirou como se estivesse muito cansado, colocou as mãos nos quadris e encarou a Juliana. 
    “Eu posso explicar.” Cara de pau. 
    “Não é necessário.” 
     “Mas eu posso.” 
     “Mas eu não quero.” 
     Daniel avaliou a expressão séria no rosto de Juliana. Depois de doze anos convivendo com aquela mulher, ele sabia quando ela estava — e quando não estava também — falando muito sério. Daquela vez ela estava. O Daniel deu de ombros. De qualquer forma, ele não queria se explicar mesmo, e estava era mais do que contente que Juliana o tivesse pego no flagrante, assim ele não precisava contar tudo a ela quando decidisse dar um pé na bunda dela para fugir com a vizinha.
     “Que seja, viu. Eu vou embora. Você é muito patética.” 
     Daniel deixou Juliana para trás. Além da dor no coração, suas mãos também ardiam. Ela tinha posto a mão no fogo. Tinha se queimado. Nada de anormal. A porta da sala bateu e Juliana saiu do quarto. Na cozinha, ajoelhou-se em frente ao fogão, abriu o forno e enfiou a cabeça lá dentro. Não durou nem dois segundos essa insensatez, porque aquilo era um suicídio estúpido e demorado demais. Ela queria morrer mais depressa, antes que as lágrimas secassem em seu rosto.
     Foi pegar a arma do Daniel, guardada na gaveta de cuecas. Já tinha visto aquilo nos filmes. Era fácil. Só apertar a arma contra a cabeça e atirar. Juliana desistiu antes mesmo de apertar o gatilho. “Isso é um erro!” disse a si mesma, e se livrou daquela arma para poder arrumar as suas malas. Muito decidida agora, sem colocar a mão no fogo por ninguém, tampouco pelo traste do Daniel, limpou a sua conta no banco e foi viajar. 
     Pelo menos não tinha filhos. Já o Daniel, soube-se depois, arrumou logo de cara dois com a vizinha, e apertou-se todo quando ela fugiu com outro e deixou os moleques para trás. Pobre Traste!

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